Qual a língua mais difícil?
Qual a língua mais difícil? Antes de perguntar isso, pense em como você mediria a dificuldade de uma língua. Número de palavras? Complexidade na conjugação de verbos? Sons? Ordem das palavras? Graus de formalidade? Alfabetos…?
Você certamente já ouviu dizer que a língua X é a mais difícil que existe. Muitos dirão que é o chinês (mandarim, por exemplo); outros dirão que é o árabe, ou o japonês. Alguns ufanistas dirão que é o português. Existem pelo menos duas formas de analisarmos a dificuldade de uma língua. Podemos examinar uma língua relativa a outras línguas, ou em termos mais absolutos.
Dificuldade é algo relativo
Para um bebê recém-nascido, a pergunta “qual a língua mais difícil” é irrelevante. Um bebê nascido no Brasil aprenderá português; um bebê nascido na Austrália aprenderá inglês. Neste caso, o ponto de partida é “zero” (ou seja, nenhuma língua inicial). A discussão sobre dificuldade relativa só começa quando pensamos em jovens ou adultos.
Digamos que você queira começar a aprender uma segunda língua depois de adulto. Neste caso, a dificuldade da nova língua dependerá da sua primeira língua (e da sua idade, dentre outras coisas). Se você fala português, certamente espanhol será uma opção mais fácil do que alemão; russo será mais difícil, e cantonês será bastante difícil. Se, por outro lado, você é falante nativo de alemão, espanhol será difícil comparado ao holandês, por exemplo, que será fácil.
Ou seja: a dificuldade de aprender uma língua é relativa à língua que você já fala. Se você fala dois ou três (ou mais) idiomas, certamente será mais fácil aprender novas línguas que façam parte das famílias de línguas que você já domina. Por exemplo: se você fala português, inglês, russo e japonês, você domina uma língua latina, uma germânica, uma eslávica (todas estas europeias) e uma completamente diferente (japonês). Nesse cenário, você teria noções de diferentes famílias linguísticas, e isso facilitaria seu aprendizado de novas línguas que estivessem relacionadas a essas famílias.
Dificuldades em termos absolutos
Também é possível avaliar a dificuldade de uma língua em termos um pouco “menos relativos”. Vamos a eles:
Temporalidade da língua
Por exemplo, os verbos do inglês têm uma morfologia muito simples: você precisa basicamente lembrar de adicionar um “-s” para a terceira pessoa do singular no presente (do indicativo). Todo o resto é bastante uniforme (muito diferente de línguas como o francês, o português, o espanhol, e até mesmo o alemão). O verbo “went” em inglês pode ser traduzido como “(eu) fui”, “(nós) fomos”, “(eles) foram” etc. Por essa razão, você precisa usar o sujeito na língua (apenas dizer “went” deixa em aberto quem é o sujeito; já em português, dizer “fui” não é um problema, embora seja mais comum utilizar o sujeito mesmo assim). Além disso, “went” também serve para “fosse” e “ia”. Ou seja: diferentes modos e tempos.
Eu fui, ia; se eu fosse >> I went, I went, if I went
Nós fomos, íamos; se nós fôssemos >> We went, we went; if we went
Neste caso, podemos até mesmo calcular algum índice de complexidade. Um verbo típico no passado em inglês equivale a 18 formas distintas em português (3 tempos X 6 pessoas). Ou seja, temos uma forma em inglês para dezoito formas em português. Isso nos dá permissão de dizer que “verbos em inglês são mais simples do que verbos em português”. Mas é importante lembrar que estamos falando apenas da morfologia do verbo, já que muitas pessoas tomam esta diferença para fazer uma generalização e afirmar que o inglês é uma língua mais fácil que o português.
Esta simplificação das formas verbais só acontece porque a temporalidade das línguas é construída em conjunto pelos verbos e advérbios. Em português, por exemplo, para indicarmos um passado durativo, utilizamos a forma do pretérito imperfeito + um advérbio que indique esta "duração": Eu ia para a casa dos meus pais todos os dias. Note que a frequência da ação verbal não é indicada pelo verbo (ainda que haja uma forma verbal específica para isso), mas pelo advérbio. Em inglês, por outro lado, utilizamos a mesma forma verbal do pretérito perfeito para o pretérito imperfeito: “I went to my parent's house every day”. Também podemos dizer “I used to go to my parent’s house every day” ou, ainda, “I would go to my parent’s house every day”. Assim, algumas línguas podem se "dar ao luxo" de ter menos formas verbais, porém apresentam uma complexidade (e dependência) maior no uso dos advérbios (ou de informações sobre o contexto). Por exemplo, dizer apenas “Eu brincava com eles” em português deixa claro que a ação possuía uma certa duração no passado. Em inglês, apenas dizer “I played with them” é ambíguo: você brincou? Quando? Ou brincava antigamente?
Ordem de palavras
Algumas línguas possuem uma ordem fixa de palavras. Em português, nossas sentenças são do tipo “Mônica comeu a pizza” (sujeito + verbo + objeto). Sentenças em japonês, por outro lado, terminam com o verbo e não há artigos (“Mônica pizza comeu”). Algumas línguas variam a ordem de palavras, e possuem sufixos que determinam o papel de cada elemento. Dessa forma, basta olhar para o fim da palavra e você saberá quem é o sujeito da frase.
Quando fazemos perguntas em português, podemos usar a mesma estrutura de uma afirmação: basta modificar nossa entonação. Outras línguas, como o inglês, o alemão e o francês, possuem estruturas variadas especificamente para perguntas (como inversões). O japonês, por exemplo, apresenta uma partícula específica para perguntas: o “-ka”.
Sons
O acento em inglês (ou seja, a sílaba mais forte de uma palavra), por exemplo, é muito mais complexo do que o que temos em português, embora o inglês não possua acentos gráficos (exceto em empréstimos, como “naïve”, “résumé” etc.). Português, neste caso, é relativamente simples: o acento cai, na maioria das vezes, na penúltima sílaba (aproximadamente 60% das palavras). Palavras proparoxítonas são consideradas irregulares na língua——e são todas acentuadas para que você saiba que, nessas palavras, o acento será atípico. Em inglês, por outro lado, o acento pode chegar a cair na quarta sílaba da direita para a esquerda: “secretary” (a pronúncia desta palavra depende do seu dialeto). Em inglês e em espanhol, a posição do acento pode ser levemente diferente dependendo do dialeto falado.
Também poderíamos analisar quantas vogais ou consoantes uma língua possui. Antes, vamos lembrar de uma diferença importante entre esses dois grupos de sons. Consoantes quase sempre envolvem um bloqueio de ar. Vogais, por outro lado, são produzidas sem esse bloqueio. Por exemplo, quando você diz “a”, sua boca está aberta, e o ar vindo dos pulmões não é bloqueado pela sua língua ou pelos seus lábios. Por outro lado, quando você produz “p”, sua boca está fechada, bloqueando totalmente a passagem de ar. O ar só será liberado no som que vier depois do “p”. Outras consoantes, como “t”, envolvem um bloqueio em outra região: sua língua precisa tocar a região do céu da boa que fica logo atrás dos seus dentes incisivos centrais superiores (chamamos essa região de “alvéolos”). Diferentes consoantes envolvem diferentes movimentos e articuladores.
Por essas razões, consoantes quase sempre são acompanhadas de vogais (é difícil dizer apenas “p”). Ou seja, elas soam com vogais (por isso são chamadas de consoantes. Vogais, por outro lado, podem soar independentemente. Por isso, quase todas as línguas normalmente precisam de pelo menos uma vogal por sílaba. Agora, vamos rapidamente ao número de vogais de algumas línguas.
O espanhol, por exemplo, possui 5 vogais (a, ê, i, ô, u), e todas elas fazem parte do sistema de vogais (inventário) do português, que possui 7: a, ê, é, i, ô, ó, u (este sistema também é encontrado em italiano). O inglês, contudo, possui 12 vogais (o número varia de acordo com o dialeto) — e isso certamente é um desafio para quem deseja aprender a língua. Por fim, o francês possui 13 vogais (sem contar vogais nasais!), e o alemão possui 15. Em nenhum destes casos estamos contando ditongos (apenas monotongos orais). O japonês, que é considerada uma língua difícil, tem apenas 5 vogais (quase idênticas aos do espanhol). Ou seja, a dificuldade do japonês certamente não está nas suas vogais.
Além de quantos sons uma língua possui, podemos avaliar como esses sons são produzidos. Línguas tonais, como o cantonês e o mandarim, são um desafio enorme para nós, falantes de português. Nessas línguas, o tom de uma palavra pode mudar completamente o significado dessa palavra. Sons guturais como os do árabe também são difíceis, e cliques (encontrados em algumas línguas na África, por exemplo) são bastante complexos também. O português, por outro lado, tem muitos sons nasais, que são bastante difíceis para quem deseja aprender a língua em idade adulta (peça para um estrangeiro pronunciar a palavra “órfãos” e você verá como é complexo).
Estruturalmente, há línguas mais ou menos sofisticadas em determinados aspectos. Algumas línguas indígenas são absurdamente complexas comparadas ao inglês, por exemplo, que tem uma gramática bastante simples relativa a algumas outras línguas europeias. Além disso, muitas palavras em língua inglesa têm origem latina, o que soará familiar para muitos falantes ao redor do mundo. Línguas como o basco, por outro lado, soarão completamente estranhas aos nossos ouvidos.
Então…?
Uma forma bastante “geral” de tentar criar um ranking seria, em primeiro lugar, definir a língua de partida. Para nós, falantes de português, línguas latinas serão mais fáceis do que germânicas, de um modo geral. Línguas com um alfabeto diferente (como o russo) serão mais complexas. Línguas asiáticas, ainda mais. Línguas tonais, ainda mais etc. etc. Portanto, para nós, cantonês (falado no sudeste da China) será provavelmente uma das línguas mais difíceis (dentre as línguas mais conhecidas), com seis tons (!) e um vocabulário completamente estranho para falantes de português (além, é claro, do sistema de símbolos utilizado, que inclui milhares de variações). Coreano, árabe e japonês também entrariam nesta lista, sem dúvida.
Existem rankings online. São, é claro, generalizações não muito detalhadas, mas servem para que você tenha uma ideia. Normalmente, há três grupos de línguas:
Para falantes de inglês
1. Fáceis (Italiano, francês, espanhol, português…)
2. Médias (Turco, tailandês, hebreu, grego…)
3. Difíceis (Árabe, chines, coreano, japonês…)
Link para ranking: http://www.businessinsider.com/the-hardest-languages-to-learn–2014–5
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